Em certas zonas comer um bolo não era habitual e diria ate que era um
privilegio, para não mencionar que, não era dado a todo mundo, mesmo na época
colonial. O completo desaparecimento do bolo na época pois-colonial justificava-se
de facto que a nação se mergulhou numa guerra que foi contribuindo ao
retrocesso de Angola. Portanto sem saber como, mas, a realidade surpreendeu-nos
uma vez quando foi vendido bolos na pequena vila da minha comuna. Numa tarde deste
dia animado pela alegria que o balanço entre o sol e o sopro de uma brisa
fresca proporcionado pela natureza, o meu pai entrou em casa transportando um
pacote que apresentava formas arredondadas com pequenos ângulos variados nos
recantos do papel que servia de embrulho. Este embrulho transmitia uma certa
telepatia aos observadores convidando uma crescida curiosidade aos filhos de
aglomerar-se urgentemente a volta do embrulho. Este mesmo embrulho lançava um
saboroso perfume que também cativava a curiosidade de todo que se aproximava na
sua periferia de um a dois metros. Uma vez em casa, o dito embrulho foi
desnudado com gula pelos irmãos hipnotizados pela boa aroma que brotava do
bolo. Deu-se a ordem de partilhar o bolo em família. Muitas vezes predomina um
mal nas casas de famílias pobres; quando se come algo especial (como frango) há
sempre tendências as crianças de levar a parte (osso apetrechado com uma carne)
fora da casa e apreciar os pedaços no ar livre, e muitas vezes na presença
alheia de vizinhos. Já tínhamos passados anos e anos sem comer nem cheirar o
bolo. Talvez também não houve outra família/casa que tinha esta oportunidade de
saborear um bolinho. A rapaziada foi degustando o bolo ate próximo as casas de
vizinhos e as voltas de amigos. Por consequência, nas aldeias bantos os
moradores ou habitantes tem sempre uma ligação familiar. Assim o bolo comprado
neste dia por meu pai causou ‘’engarrafamento’’ na nossa família onde primos e
sobrinhos, netos e bisnetos, tios e cunhados invadiram, saindo cada com o seu
pedaço na mão, chupando sistematicamente dedos um depois outro numa consciência
que foi flutuando no espaço. O bolo foi abusivamente comido pela família
paterna sem que haja uma parte guardada para os irmãos ausentes na altura. Os
invasores cortaram-no; uns desproporcionalmente e outros exageradamente ate levaram
as residências de seus pais. O bolo do PAI foi dividido de forma popular e
anárquica como se fosse produto da caça, deixando descontentamento entre irmãos
da família, ate choros aos pioneiros. Diz-se neste dia, ate um bisneto ficou
diarreiadado…
Neste dia reinou na nossa casa um ambiente de murmures e descontentamento
provocado pelo bolo que implantou um completo mal-estar na família. A revolta
tomou conta da atmosfera moral da casa e quebrou nela a boa comunicação de
sempre. Na altura, eu não sabia nada sobre o dia das mães. Se fosse hoje
deduziria que fosse neste período pois a minha MAE pensou comprar no dia
seguinte um bolo para acalmar as consciências. Seus cálculos que eram segredos
foram-se concretizando quando no dia seguinte dirigiu-se a mesma vila e
conseguiu adquirir um bolo de menor tamanho, que levara em casa. Isto é o amor
da mãe para com os seus. Foi com tantas calmas que o bolo revisitou a minha
família num espaço de 48 horas. Desta vez cada comeu a sua parte com sossego
sem que haja atrapalhamento nem intervenção dos externos. O bolo da mãe trouxe
paz e entendimento. Ele trouxe união e reforçou o elo familiar. O bolo da mãe
não alarmou os vizinhos da aldeia, da comuna, do município, da província nem de
outros continentes. Hoje coloco-me obrigatoriamente na posição de estupidamente
crer que o bolo da mãe foi nacional enquanto o do pai foi internacional. O bolo
da mãe foi consumido nos perímetros familiares, quer dizer não se comeu fora da
casa!!!
De quem será o bolo que vejo ai, se compartilhar entre lobos, raposas,
hienas, chacais e todos carnívoros que poluem nossos matos ancestrais?
Nkituavanga II