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sexta-feira, 13 de março de 2015

O BOLO DO MAL-ESTAR

 Viver nos cantos mais recuados numa das províncias mais esquecida de Angola oferece realidades com diferentes sabores que muitos angolanos não acreditariam hoje os tipos de cenários que quotidianamente se viveram. A textura da amargura bicarbonática das minhas experiencias infantis num espaço desconhecido continuem ate hoje inspirando-me compartilhar certos paladares com aqueles por azar do destino falharam, escaparam, desconhecem ou mesmo foram poupados de experimentar.

Em certas zonas comer um bolo não era habitual e diria ate que era um privilegio, para não mencionar que, não era dado a todo mundo, mesmo na época colonial. O completo desaparecimento do bolo na época pois-colonial justificava-se de facto que a nação se mergulhou numa guerra que foi contribuindo ao retrocesso de Angola. Portanto sem saber como, mas, a realidade surpreendeu-nos uma vez quando foi vendido bolos na pequena vila da minha comuna. Numa tarde deste dia animado pela alegria que o balanço entre o sol e o sopro de uma brisa fresca proporcionado pela natureza, o meu pai entrou em casa transportando um pacote que apresentava formas arredondadas com pequenos ângulos variados nos recantos do papel que servia de embrulho. Este embrulho transmitia uma certa telepatia aos observadores convidando uma crescida curiosidade aos filhos de aglomerar-se urgentemente a volta do embrulho. Este mesmo embrulho lançava um saboroso perfume que também cativava a curiosidade de todo que se aproximava na sua periferia de um a dois metros. Uma vez em casa, o dito embrulho foi desnudado com gula pelos irmãos hipnotizados pela boa aroma que brotava do bolo. Deu-se a ordem de partilhar o bolo em família. Muitas vezes predomina um mal nas casas de famílias pobres; quando se come algo especial (como frango) há sempre tendências as crianças de levar a parte (osso apetrechado com uma carne) fora da casa e apreciar os pedaços no ar livre, e muitas vezes na presença alheia de vizinhos. Já tínhamos passados anos e anos sem comer nem cheirar o bolo. Talvez também não houve outra família/casa que tinha esta oportunidade de saborear um bolinho. A rapaziada foi degustando o bolo ate próximo as casas de vizinhos e as voltas de amigos. Por consequência, nas aldeias bantos os moradores ou habitantes tem sempre uma ligação familiar. Assim o bolo comprado neste dia por meu pai causou ‘’engarrafamento’’ na nossa família onde primos e sobrinhos, netos e bisnetos, tios e cunhados invadiram, saindo cada com o seu pedaço na mão, chupando sistematicamente dedos um depois outro numa consciência que foi flutuando no espaço. O bolo foi abusivamente comido pela família paterna sem que haja uma parte guardada para os irmãos ausentes na altura. Os invasores cortaram-no; uns desproporcionalmente e outros exageradamente ate levaram as residências de seus pais. O bolo do PAI foi dividido de forma popular e anárquica como se fosse produto da caça, deixando descontentamento entre irmãos da família, ate choros aos pioneiros. Diz-se neste dia, ate um bisneto ficou diarreiadado…

Neste dia reinou na nossa casa um ambiente de murmures e descontentamento provocado pelo bolo que implantou um completo mal-estar na família. A revolta tomou conta da atmosfera moral da casa e quebrou nela a boa comunicação de sempre. Na altura, eu não sabia nada sobre o dia das mães. Se fosse hoje deduziria que fosse neste período pois a minha MAE pensou comprar no dia seguinte um bolo para acalmar as consciências. Seus cálculos que eram segredos foram-se concretizando quando no dia seguinte dirigiu-se a mesma vila e conseguiu adquirir um bolo de menor tamanho, que levara em casa. Isto é o amor da mãe para com os seus. Foi com tantas calmas que o bolo revisitou a minha família num espaço de 48 horas. Desta vez cada comeu a sua parte com sossego sem que haja atrapalhamento nem intervenção dos externos. O bolo da mãe trouxe paz e entendimento. Ele trouxe união e reforçou o elo familiar. O bolo da mãe não alarmou os vizinhos da aldeia, da comuna, do município, da província nem de outros continentes. Hoje coloco-me obrigatoriamente na posição de estupidamente crer que o bolo da mãe foi nacional enquanto o do pai foi internacional. O bolo da mãe foi consumido nos perímetros familiares, quer dizer não se comeu fora da casa!!!

De quem será o bolo que vejo ai, se compartilhar entre lobos, raposas, hienas, chacais e todos carnívoros que poluem nossos matos ancestrais?

 

Nkituavanga II