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quinta-feira, 9 de abril de 2009

Na gingubaria da dona Maquiesse

Na gingubaria da dona Maquiesse


Simples constato
O tema desta obra é uma compilação do estrangerismo numa tónica contraditória. Ele prova a debilitação e limitação duma língua mas também a sua adaptação e complementaridade as outras, formando assim uma cordenação linguística que forma um sentido, oferece um sentimento, estimula emoções, cria um elo comunicativo etc...Uma gingubaria pode não existir como palavra ou elemento físico mas que pode ser argumentada e defendida de acordo a sua utilidade ou da projeção que se pretende fazer no domínio ( como caso de estudo) linguístico, socio-cultural, teatral, filosófico, mesmo político etc...
Neste contexto a gingubaria é simplesmente a forma irónica de descrever a casa da Dona Maquiesse onde as crianças por acidente do destino de tempos, oportunidades, cultura e recreatividade irónicamente trabalham numa inconsciência eufórica dando resultado a um próspero negócio que sustenta vidas e familias. Nesta comba de cascadores de gingubas passa-se momentos felizes a companhia de amigos, familiares, visinhos, visitantes e quitandeiras que por acidente da natureza e curiosidade raspam as paredes desta casa entrincheirada, como modelo na arquitectura desta esplendida cidade de Luanda. Numa ou duas occasiões, por aventureiros passageiros condenados por por faltas de toiletes públicos nesta cidade tentam por áqui desvaziar-se da mistura química empacotadas nas suas barrigas, também zungeiras como a maioria da população a procura de um ganho-pão. A gingubaria é um local de refúgio para várias crianças que aproveitam as frequentes faltas ou cortes de luzes nas suas casas obscurecidas nas ondas de calor da bela capital. Ela é talvez um local de refeições para aquelas ameaçadas pelas impossibilidades e incapacidades financeiras deste ou daquele parente, pago por sucessivas promessas de insolventes patrões. Ela não deixa de ser um lugar de concentração ou de proteção contra o banditismo eruptivo desta cidade flutuante a uma velocidade de cruzeiros brasileiros. Esta permite as crianças de provar como a força da vontade de contribuir é mais forte a maldita força de roubalheira. Gingubaria não é gingubeira mas uma simples contração do prefixo com o sufixo nos extremos da palavra mãe (nguba) formando dorenavante uma salada afroportuguesada.
Da Dona Maquiesse é um outro assunto...
Por acidente da natureza
O médico veterinário Dialámikua vive há longos anos nesta capital angolana, num dos cantos do bairro Prenda onde conseguiu por acidente da natureza uma porção de terreno onde acidentalmente injetou uma casa de três quartos. Depois de longos anos de trabalho na Rádio Nacional de Angola, ele conseguiu por vias esquemáticas viajar para Checoslovaquia onde terminou um curso para veterinários. No seu regresso, trabalhou na direção do ministério de Agricultura, onde últimamente foi achado de muito impeditivo e foi então transferido para os campos de Kwanza Norte e Sul, depois de rejeitar uma nova proposta para uma nova bolsa de estudo em Portugal. Momentaneamente tem vindo em Luanda nos weekends passar um tempo junto a sua familia (esposa, duas filhas e três sobrinhos), visitar amigos e colegas e sem esquecer matar a saúdade nas praias musicalizadas desta transformada capital financeira do Reino do Kongo. Nos periodos de ma-sorte tem vindo áqui a procura de material de trabalho, onde muitas vezes acaba por eternizar-se ocasionalmente por periodos superiores de 3 meses a espera de promessas da nossa bureaucracia administrativa, deixando atraz seus porquitos, cabrintinhos, galos etc, perdendo também o saborear de churrascos e debatendo-se com constantes reclamações da sua gargante oprimida do líquido suave do Dondo. Uma vez em Luanda, o Doutor como é conhecido no bairro, não descança em casa porque tem uma obrigação moral e professional de saúdar edifícios e várias direções do seu minitério como vermículo atraz deste director, chefes de departamentos, delegados, chefes de secções etc. Levantar material em Luanda torna-lhe por cativeiro dentro da sua profissão e responsabilidade.
Uma desta tarde depois de incessantes demarches, o nosso doutor regressa em casa e como tornou-se um hábito semanal não encontrou a sua filha no lumbo familiar. Preocupado pela ausência desta, pressionado pelas idas-e-voltas professionais, amedrontado pela insegurança desta cidade e confuso pelas obrigações familiares o homem não tardou por se desabafar perguntando
- onde está a Deborah?
- Foi na visinha do número 13, respondeu a esposa.
- ...mas o que tem lá feito todas as tardes?
- vão brincando e conversando entre amigos! afirmou a esposa.
- entre amigos? Rematou este com uma tonalidade assustadora.
Sabeis com é, quando os masculinos entram na conversa dos femininos! Daí o nosso investigador decidiu chegar a casa da visinha e verificar com suas próprias lâmpadas.
Bateu a porta da visinha que deixou uma vibração de dores nos seus dedos pois esta foi feita com uma madeira dura que não só resiste as chuvas mas contra todo contacto de carácter ameacador. Esperou uns minutos... e viu a porta distanciar-se devagarosamente numa faixa sob o acompanhamento de um som rectilinhar que transmitiu aos seus ouvidos um eco de fregação entre dois metais ruídos e pouco lubrificados. Neste espaço libre entre duas madeiras surgiu uma face sorridente que aproximou-se dele num zoom deixando exposto a clareza da cor branca dos marfins seguramente fixos entre dois lábios grossos da beleza africana.
- Sou o vizinho, pai da Deborah. Apresenta-se numa forma breve, fácil a ser identificado.
- Oh visinho, entra por favor! A Deborah está áqui. Disse a dona da casa.
Foi uma boa oportunidade para ele entrar e conhecer esta vizinha de belas tranças que tem a fisionomia duma conterra.
- Obrigado! Eu sou o teu vizinho do número 7, chamo-me Sr Dialám...
A vizinha cortou-lhe a palavra replicando: - Sim, o doutor uma vez negou de tratar minha filha que...
Foi também uma oportunidade do vizinho que por acidente da natureza de monopolizar a palavra dizendo: - Oh vizinha, não diz isso. Foi uma incompreensão! Eu sou doutor veterinário.
- Desculpa visinho, pode primeiro tomar a cadeira antes de explicar como é veterano e quando foi a guerra de Macau! Falou da guerra de Macau porque ouvia sempre do seu pai que contava cenas sobre a participação de angolanos na guerra de Macau sob a bandeira portuguesa, e também porque pensou que o vizinho shô doutor não poderia participar na luta da libertação angolana que levara ao onze, onze de novembro.
- vizihna, não sou veterano mas veterinário.
Aié! Doutor itinerário, o que isso?
- Não itinerário. Sou veterinário quer dizer médico de animais. Não trato pessoas mas só animais.
- Então porque te chamam doutor?
Sem resposta, o vizinho preferiu guardar um silêncio que vai permitir uma mudança de sujeito. Nesta fracção de segundos deixou seus olhos desfilar a geografia da sala. Como de custome, notou que uma das paredes da casa é decorada com o famoso quadro que muitos familiares visitantes não gostam e que se encontre quase em todas casas das periferias de Luanda com as escritas: NESTA CASA MANDA ELA E NELA MANDO EU. Numa olhada icognita e silenciosa girou as bolas de retinas em meia rotação, num estilo inocente mantendo a sua face imóvel para impedir sua visinha descubrir seus movimentos e reparou de súbito num outro canto uma fotografia empoerada, pendurada na parede e que deve lá estar por décadas. Como não conseguiu bem identificar a face, perguntou
-Suponho que esta é a foto do seu marido?
A vizinha lançou um sorriso calma e disse: Não! Não é meu marido, é então o camarada presidente, saudoso Agostinho Neto! Ela disse isso com todo o respeito como os crentes falam de Cristo.
- Oh desculpe não reparei bem, disse o vizinho.
- O meu marido não tem tempo para tirar fotos porque é um homem de negócio!
- Aié, em que negócio dedica-se?
- Ele não tem tempo para dedicar músicas depois também não tem amigos na Radio!
- Oh, que negócio faz?
- Ele é comerciante mas antigamente trabalhava na Textang.
- Tem ido as Lundas? Lançou o vizinho que logo pensou nas pedras.
- Não, faz negócios no Quimbele
- Desculpe a minha curiosodade, sois do Uige?
- Não, o meu marido é de Quimbele mas eu nasci na Ilha de Luanda.
O facto de marido trabalhar na Textang pode justificar o seu constante uso de panos mas as tranças não é bem da Ilha, pensou o vizinho que depois disse:
- Kimbele é na provincia do Uige, então a vizinha deve ser a Dona Alegria?
- Não, não sou dona Alegria! Chamo-me Maquiesse.
- Ma-kie-se, escreve-se com M-a-k-i-e-s-e, disse o doutor.
- Não é assim que está no meu Bilhete, é mesmo Maquiesse insistiu a vizinha.
- Vizinha, desculpe a minha curiosidade, qual é a origem dos seus pais?
- Meu pai e minha mãe vieram lá no Norte deles mas eu sou de Luanda e nunca fui lá no Norte!
- A vizinha não fala kikongo?
Deu uma gigante gargalhada antes de responder: Eu não sou lá do Uige deles como vou falar até kikongo?
- Eu sou do Uige e falo kikongo embora que vivo em Luanda onde fui nascido e crescido assim como as minhas filhas. Acrescentou o doutor.
- Oh visinho desculpe-me, a conversa me levou tão longe que esqueci de oferecer-te uma gasosa porque não temos cerveja.
- Não se preocupe! Pode oferecer-me um chá kabiba e nu ou mesmo água. Pediu o vizinho.
- Visinho, não entendo o que isso de chá kabiba e nu? Chá pode ser nu? Curiosamente perguntou.
- Chá kabiba quer dizer, chá sem açúcar e nu porque é sem leite, expilcou o doutor.
- mas visinho, não temos pão!
- Oh, não se preocupe com isso mas pode oferecer-me um copo com água para que não hajem protocolos.
- Visinho trabalha também no protocolo do presidente?
- Oh não! Protocolo quer dizer atarefado
- o doutor é assim muito complicado ?
Durante o decorrer da conversa as garrotas continuavam cascando gingubas sem portanto se distrair pela fervecentes conversas entre visinhos; talvez estão conscientes que foi pela acidente da natureza que se encontram presas nesta turbilhão de conversações.
- deixe-me dar uma ajuda a criançola. O doutor tomou posição ao lado da sua cascadora filha quando de repente a dona da casa resistiu.
- visinho, não faz isso porque vai sujar a sua roupa.
- Não se preocupe dona Alegria, isto é o trabalho que se faz nas nossas aldeias no meu Béu, lá nas terras do Norte onde produz-se muita ginguba.
O vizinho meteu-se logo ao trabalho, permitindo assim um bom tempo de silêncio, deixando a sua curiosidade crescer e a sua observação expandir-se. Ao mesmo tempo vai se lembrando das suas experiências no seu nativo Béu onde passou tempos da juventude nas últimas horas da dominação colonial e nas primeiras horas de Angola independente, depois de recuar de Luanda para se salvar das perseguições com motivos tribais. Pensou nas dificuldades deste tempo dominado pelas propagandas políticas e pelas prisões que sofreu sem motivos só porque tinha recuado de Luanda.
Nova ordem
Na gingubaria as crianças ou cascadoras como são chamadas sentam numa circunferência a volta do saco de ginguba centrado no meio. Cada cascadora tem um prato ou balde, conforme a rapidez de cada, onde vai depositando as gungubas já cascadas enquanto ao lado tem uma montanha de ginguba em piramidal onde vai cartando-las. Cascar é uma actividade muito simples e agradável as participantes e que não necessita de equipamento ou tecnologia.
Como numa comba as sete cascadoras trabalham largando de vez enquanto nos cantos dos lábios certas palavras e sorrisos mas muitas vezes gargalhadas porque a animação atinge sempre o ponto culminante já que muitas delas são consideradas de aventureiras no sentido banal ou simplesmente cómicas. Elas falam de tudo: sobre escolas, amizades, dos acontecimentos do quotidiano Luandês, da música, de programas televisivos etc...
Com a cordenação do tempo, movimentos, sorrisos e conversas, o saco do meio vai se esvaziando, enquanto as pirâmidinhas do lado vão substituindo-se portanto que as cascadas vai enchendo-se nos pratos. De vez enquanto as raparigas vão mastigando, movendo suas mandíbulas num movimento rítmico de esquerdo ao direito deixando também um espaçozito para que as linguas possem visitar o mundo fora da boca permitindo ao doutor de ver os detritos de gingubas meia-mastigadas antes que sejam encaminhadas aos quartos digestivos.
A dona Maquiesse muitas vezes ocupada com outras tarefas domiciliares, observa as crianças e de-lhes uma ajuda quando necessário for mas esta muito atento para com o saco do centro e na recuperação de pratos ou baldes uma vez cheios. Sendo Dona Alegria, não deixe de abastecer as cascadoras com água, chá, bulachas e tudo que tiver a sua disposição conforme as benções do dia.
O doutor sabe muito bem como é que este processo ocorre mas não deixe de esconder a sua curiosidade para testar a sua vizinha, já que esta é de Luanda mas vive numa cultura do Norte embora que nega conhecer-la. Ele aproveita esta brecha para conhecer a vizinha.
- Então como remunera-las? Retomou a palavra.
- Elas não levam números, visinho!
- Queria dizer como tem assalariado-lhes?
- Não, Sho doutor! não tem salários é só uma ajuda mas no fim ofereço sempre um pratito de ginguba.
- E como tem feito para controlar as gatunas?
- Aqui não há gatunos. As minhas visinhas são boas, nunca roubaram e não vão roubar porque são minhas filhas.
Ela jingumunou a sua boca para fazer entender que não gostou da pergunta mas viu-se obrigada de responder por respeito e depois perseguiu: - Controlar é muito fácil, vê-se a quantidade que cada uma recebe e a quantidade das cascadas que cada uma coloca no prato ou balde.
- Mas dona Alegria, outras estão a comer tudo!
- Não cada uma tem direito de comer e o mais importante é de colocar as cascadas no prato. Caso não haver as cascadas no prato é que se controla os bolsos e possívelmente a boca mas isso nunca aconteceu áqui porque as minhas filhas são obedientes e é por isso não chamo os rapazes neste negócio.
- Então a vizinha é mesmo do Norte porque tudo que tem feito e acabou de descrever áqui é o que na realidade se faz lá no nosso Norte, seja no Uige ou na provincia do Zaire... mas...nas nossas aldeias do Norte ginguba não se vende, queria dizer que não é um produto comercial. Vende–se ginguba em grande quantia aos comerciantes que vão revender as cidades, mas ginguba oferece-se.
- Aqui então é Luanda e no Luanda é bom negócio. Os meus filhos nasceram e crescem neste negócio de ginguba. Eu vendo ginguba torrada, fervida com sal, torrada com açúcar e também ginguba seca mas não gosto de vender a muamba.
- Oh é um bom negócio! A vizinha então é quente?
- Não, não vendo ginguba quente
- Eu queria dizer que a vizinha tem dinheiro?
- Não visinho, é só para aguentar os estudos dos miudos. O visinho é que tem jeepi!
- Oh é carro da empresa!
De repente o doutor deu uma olhadela no indicador do tempo que repousa no seu pulso esquerdo, assustou!
- Oh, já são 21 horas! Não acreditou que conseguiu de passar três horas, pela primeira vez na casa da vizinha e na ausência do esposo. Depois olhou a sua volta e disse: - Visinha Alegria, gostei da sua solidariedade comigo e para com as crianças. Estou feliz de conhecer-lhe como conterrana do Norte e vizinha de Luanda, como somos todos angolanos, espero um dia conhecer o seu marido mas é bem que não esquece que: O cascador não é verificado na boca mas quando as cascadas não chovem no balde então é revistado até a boca, isto o seu marido vai-lhe reiterar.
- O meu marido não pode retirar nada, é só presente.
O doutor preferiu guardar o silêncio para não prolongar a conversa, já que os indicadores do tempo não esperam por ninguém e os ressoantes ecos dos tic-tac de planos para o dia seguinte já resmungavam na manteiga do seu cérebro.
- shô doutor, estou grata conhecer-te sobretudo que me chama por Dona Alegria como meu pai também me chama.
O vizinho já se aproximou da porta com a Deborah seguindo a uns centímetros atraz.
- Obrigada Deborah, obrigado visinho volte mais um dia, concluiu a vizinha enquanto que a Deborah não esqueceu de receber a porção da sua prenda de dia, viu a porta encerrar-se a sua traz deixando escapar um mbuummm.... nos ares perdidos do calor da capital.
Assim reganharam a sua casa naquela noite de Luanda sob os olhares silênciosos de outros vizinhos forçados, pelo calor da banda de abandonar suas casas e refugiar-se fora de pátios dando atenção aos espectáculos que os passantes e zungeiros da capital oferecem-lhes.


* As denominações são inventadas e qualquer coincidência seria fabulática. Como trata-se dum caso de estudo, certos erros sao intencionais.