O MUNDO VIRADO DE TEODORO
Luanda- A liberdade que cada fim da semana oferece, permite-me visitar familiares, conhecidos e amigos. Como sabeis a vinda do cachimbo da capital animado pelo calor encompresso pelos ventos frescos em constante competição com o fio de frio que também procure um espaço na atmosfera desta cidade tem um toque ligeiro na pele oferecendo uma sensação muito saudável. O excesso da população nota-se pela densidade de passantes nas ruelas dando-se quinhões uns aos outros, para além de esfregadelas e empurões em que esta é convidada a exercer no dia-a-dia tanto nos meios de transporte como nos diversos mercados. Infelizmente, a deslocação nesta cidade é um purgatório porque o engarrafamento já não escolhe o tipo de transporte utilizado pois mesmos nos piões há acidentes, atropelamentos entre traseuntes. Embora tudo isso, quém ama deve sacrificar-se, por isso desloquei-me a Palanca visitar um amigo da minha infância.
Na sociologia africana fala-se tanto de amigo como familia. Este meu amigo é mais que uma familia porque compartilhou comigo momentos históricos onde os meus familiares tiveram ausentes. Teodoro ou simplesmente Teo é um amigo de longas datas e de muitos percursos. Fomos colegas na escola primária, secundária até no Kiluanje. Crescemos no mesmo bairro e jogamos juntos bola de meias, de papelada, de cola vegetal, de borracha, plástico até que um dia em 1989 fomos consagrados ‘’campeão municipal de futebol de Luanda’’. Hoje por destino da natureza vivemos em diferentes pontos cardinais e fusos horários mas moralmente somos ligados pelos mesmos elos fraternais.
Fui bem encomodado para chegar ao meu destino contudo a minha determinação valeu algo. Eu estava muito ansioso de conversar com este acerca de colegas, amigos do passados, contar as velhas aventuras escolares, sobre as donzelas que curtiamos, dos poemas que escreviamos e falar sobre as nossas presentes familias já que produzimos muito. Localizar Teodoro não foi muito fácil porque pensava eu, que havia de reconhecer facilmente o meu antigo bairro. Uma vez no local as coisas foram amargas porque até hoje ainda existem ruas sem apelidos ou com apelidos vagos. A imagem que eu tivera do bairro Palanca era mesmo caduca porque tem uma nova fiseonomia arquitectoral, cadastral e mesmo geográfica. Contudo tio Teo como é agora chamado no bairro foi localizado.
Teo, o alto magro como Domingos Xavier já não apresenta a mesma carapaca que eu conhecera. Tem ou vive num mundo muito diferente que eu conhecera-lhe. Depois de terminarmos os estudos no Kiluanje no tempo de Sergio (director), eu fui para Huambo e Teo ficou no Makarenko de Luanda, para depois a faculdade de medecina. O meu querido amigo foi também professor de Inglês no Ngola Mbandi. Com o tempo como as coisas foram piorando Teo deslocou-se para Europa onde permaneceu em Portugal, Holanda, Suiça e Suecia durante mais de uma década antes de retomar Luanda com uma visão muito diferente. Descrevo isso para demonstrar que meu camba é um intelectual feito, filho de um enfermeiro.
Fui visitar um amigo e não jogar o papel de detetivo para espiar, jornalista para bajular. A minha estadia no seu lar foi marcada por uma sucessão de contrastes. Passei momentos de frustração onde perdi a minha sensibilidade. Eu já não sentia o funcionamento muscular nas minhas pernas nem pude diferenciar as cores da minha roupa como sapatos, pareceu-me que estava flutuando. A sua casa é boa e grande mas com as características de uma trincheira. O meu friend tem um negócio comercial ou simplesmente loja, onde se vende produtos básicos de consumo quotidiano. Há momentos que vende produtos de alta qualidade como ferros electricos, fogões até carros, tudo depende da época do negócio.
A sua vida começa nesta casa-loja e por aí também acaba pois a loja funciona 24 horas por dia e 7 dias por semana. Ele não conhece férias e nem igreja sabe como não se tratasse de um kikongo. No desenvolver da conversa deparo-me com muitas lacunas e desinteresses. O homem faz um negócio moderno usando metodos tradicionais e está ultrapassado porque sente-se abandonado por todos: amigos, familiares, sistema, a cultura até a própria tradição e refugiou-se na sua inconsciencia. Procurei saber sobre os antigos colegas da turma como Pedro, Alegria, Nelito, Luisa Ventura que eu gostaria de contactar, Esperança, Dina, Pop e demais. O meu amigo não tem ideia do paradeiro destes embora que seja algum lugar em Luanda. E como dos antigos companheiros da equipa do futebol? Ô, nunca vi-lhes, respondeu o negociante. Como então seus colegas professores? Niet, foi a bruta resposta. O homem perdeu o contacto com a sociedade. Ele perdeu mesmo a noção do tempo, do gosto etc mas está vivendo. Nunca teve tempo de ler um livro, rever uma materia antiga ou mesmo escrever uma cartinha. E o seu comercio esta crescendo. Procurei saber como foi a sua participação as eleições mas este não foi interessado. Qual foi a última vez que teve a oportunidade de ler um jornal local. Disse-me que não gostaria de os ler e quando perguntei-lhe se soubesse algo sobre a princesa Tchizé, disse nunca ter ouvido este nome. Como tudo era, neste espaço, oposto as realidades convidei-lhe a sair um pouco e apreciar o mundo por aí fora.
Demos alguns passos e passemos em casa do kota Kifuatalele. Este kota foi muito famoso nos 80 quando fez uma auto-propaganda de ter completado 1 milhão de kwanzas enquanto devia também 1 milhão a um reclamante. Como o hasarado não vem só, fomos encontrar o cota sub-ameaços do dono da casa porque há três meses não pagou a renda. Foi-nós impossível lá ficar porque eu não suportei o cenário. Daí o Don Teo levou-me a casa de um outro velho, onde permanecemos mais de uma hora. No velho Sebastião também não consegui engolir o desenrolar. Primeiro é que este velho nunca foi nosso amigo. Segundo é que o velho é muito mais idoso que nunca seria nosso amigo pois pertence a geração dos nossos pais. A conversa do Teu com o velho na presença da dona da casa era um mistério para mim. Lá o Teo e o velho falam dumas antigas garrotas, numa tonalidade que prova o tipo de amizade que estes tem. Tudo estava errado! O mundo esta mesmo virado! Tudo para mim era besteira mas para eles, rica conversa. Não consigo entender o meu amigo Teo. Ele fez-se escravo de si, mergulhou nas profundidades de um vazio escuro. Perdeu a sua identidade porque esta vivendo num mundo restricto, amargurado, sem clareza embora que tenha uma conta bancária saudável. O seu mundo está de ‘’patas no ar’’ um mundo entrofiado por uma inconsciência viva.
Até hoje não consigo descrever o que se passa com esta juventude. Muitos vão progredindo na vida mas uma maioria está perdida no vazio sem destino a nova vida. A mentalidade frustrada do meu amigo é uma reflexiva imagem da nova consciência da juventude angolana. As novas realidades políticas e históricas do mundo entrofiado dos angolanos, país da economia emergente é empírica, estranha mas perigosa. Aquela consciência politica disseminada pelas propagandas ideológicas vai-se apagando, resultado duma política de exclusão. Felizmente o meu amigo não esta metido na droga como outros! Eu gostaria de saber a mentalidade da juventude no meu Béu porque da capital é lamentável.
JDNsimba©2009pub075